Como disse na aula, o fenômeno de Gibbs é a curiosa discrepância que surge nas descontinuidades quando comparamos funções descontínuas e suas séries de Fourier. Aqui estão todos os cálculos que fizemos, com esmero, ao contrário da minha lousa.
Relembrando, o ponto chave foi considerar a série de Fourier da função degrau no intervalo
Como a função é impar, terá apenas série em senos , sendo
Nossa função degrau, portanto, pode ser representada pela série de Fourier
Abaixo vai o gráfico correspondente aos 5 primeiros termos dessa série
onde já podemos apreciar o fenômeno do “overshooting” na vizinhança da descontinuidade em . Consideremos agora as séries parciais correspondentes à série de Fourier
A figura acima corresponde ao caso . Vamos localizar os pontos críticos de no intervalo , que correspondem aos pontos tais que
Notem que
Desta forma, os zeros de (1) correspondem de fato aos zeros de (2). Ocorre que (2) pode ser facilmente somado, trata-se de uma PG complexa com razão
Porém, notem que
e
De onde temos finalmente que
implicando que os zeros de (2) no intervalo , que serão os pontos críticos de (1) no mesmo intervalo, são os pontos , com . Do gráfico, vemos que o primeiro ponto crítico ( ) será um máximo localizado em .
Calculemos agora
com . Podemos calcular o limite desta soma se a aproximarmos por uma integral. Notem, primeiramente, que , e que . Em outras palavras, o intervalo foi dividido em partes iguais (de fato, os extremos tem metade do tamanho), e estamos somando as áreas de retângulos de largura e altura . A figura abaixo ilustra o caso para , sendo que a curva corresponde a função
Teremos
que corresponde ao “overshoot”. Note que no limite , o ponto de máximo está arbitrariamente próximo da descontinuidade . A figura abaixo ilustra o que ocorre para três valores de M: 4, 16 e 32. Ve-se claramente que o primeiro máximo varia pouco, mas sua localização se aproxima de , de onde percebemos claramente o porquê da norma do ser insensível a estas diferenças.
O fenômeno de Gibbs é caracterizado pelo valor relativo do “overshoot”, e não pelo absoluto como fizemos. No nosso caso, a descontinuidade é , então o “overshoot” relativo será
Que é o famoso resultado. A literatura a respeito é vastíssima. Sugiro este artigo, que é bem contextualizado historicamente e apresenta a derivação original, que não é a apresentada aqui. O resultado original foi deduzido não para a função degrau, mas para uma variação da “dente de serra“. O curioso, e interessantíssimo, é que o fenômeno (incluindo o 9%) é o mesmo para qualquer descontinuidade “razoável”. Isto quer dizer que, do ponto de vista das séries de Fourier, a descontinuidade estudada aqui é genérica. De fato, já discutimos que o ponto fundamental das descontinuidades é o decaimento dos coeficientes . Aqui, como esperado, tratando-se de uma função descontínua, os coeficientes decaem como .
Como disse também, Michelson construiu um “computador analógico” para calcular séries de Fourier, e atribuiu erroneamente o fenômeno de Gibbs a um “defeito” mecânico de seu aparato. Mais informações sobre sua curiosa e engenhosa máquina aqui e aqui. Uma visão “mecânica” de como as componentes de Fourier interagem para gerar a função degrau é dada por esta (ótima!) animação, da wikipedia
construida a partir do material apresentado aqui. Notem como os diversos modos de Fourier surgem ao combinarmos epiciclos. O video abaixo também é muito interessante.
Um último ponto para mostrar que a convergência pontual (quer dizer, com a norma do ) é bastante complicada neste exemplo, surge ao considerarmos não o valor de no primeiro ponto fixo, mas em todos. Calculemos
sendo e . Tomemos o limite , mantendo constante, de maneira análoga ao que fizemos para o caso acima
Conhecemos esta integral. Seu limite para (integral de Dirichlet) é exatamente, de onde temos que, longe da singularidade ( grandes), o valor de tende ao valor esperado . O gráfico abaixo mostra alguns valores de para pequenos, de onde vemos que a convergência para o valor é o mesmo de uma série alternada.
No limite pontos com finito estão arbitrariamente próximos, sugerindo que a série de Fourier de é, de fato, complicadamente descontínua na região arbitrariamente próxima a . Contudo, a norma do é completamente insensível a este rico comportamento próximo à descontinuidade .