MS650 – 2S2023 – Prof. Alberto Saa (IMECC/UNICAMP)
Mais sobre EDP de primeira ordem
Alguém pode objetar: ah, essa história de características só funciona para equações simples como a do surfista. Vamos então considerar um exemplo mais “complicado”, para que fique claro que o método é bastante geral, e sempre se reduz a resolver explicitamente algumas EDOs. (As quais, por certo, nem sempre conseguimos resolver, mas podem nos dar informações importantes sobre o comportamento qualitativo das soluções da EDP original.)
Vamos começar pela equação
∂tv+v∂xv+v2=0,
que é certamente mais complicada que a de Hopf. Vamos procurar soluções dessa equação com condição inicial v(0,x)=ex. Já sabemos que essa equação se reduz ao seguinte sistema de EDO (equação das características)
t˙=1,x˙=v,v˙=−v2.
tDevemos resolver esse sistema de EDO explicitamente. Notem que a primeira e a última dessas equações têm solução fácil
t(τ,σ)=τ+t0(σ). v(τ,σ)=1+v0(σ)τv0(σ).
A segunda equação fica
x˙=1+v0(σ)τv0(σ)
cuja solução geral é
x(τ,σ)=log(1+v0(σ)τ)+x0(σ).
Agora temos que escolher as constantes de integração t0(σ),x0(σ),v0(σ) de maneira a garantirmos a condição inicial v(0,x)=ex. Vamos ecolher t0=0, x0=σ e v0=eσ. Com isso, temos a equação paramétrica da solução que procuramos
t(τ,σ)=τ, x(τ,σ)=log(1+eστ)+σ, v(τ,σ)=e−σ+τ1.
Porém, não queremos a solução em forma paramétrica, queremos uma expressão relacionando as variáveis originais do problema, t,x,v. Precisamos, portanto, “resolver” as expressões paramétricas para τ,σ. A primeira equação nos permite eliminar τ. A segunda equação fica
ex=eσ+te2σ,
cuja solução para eσ é
eσ=2t−1±1+4tex.
O sinal compatível com as condições iniciais é o “+”. Substituindo-se na expressão de v ficamos finalmente com
v(t,x)=(1+1+4tex)t1+4tex−1,
Quem duvida que essa é uma solução, pode verificar na mão que ela satisfaz a equação e a condição inicial. É instrutivo também verificar no Mathematica, ou em qualquer outro pacote equivalente. Os comandos:
É impostante frisar que só pudemos escrever a solução em forma fechada porque a condição inicial nos permitiu resolver a equação de x(τ,σ) para σ. Se a condição inicial fosse, por exemplo, v(0,x)=e−x2, não seria possível escrever a solução em termos das variáveis iniciais. Porém, teríamos a solução em forma paramétrica
x(t,σ)=log(1+e−σ2t)+σ, v(t,σ)=eσ2+t1,
o que é suficiente para inferirmos o comportamento qualitativo das soluções.
Finalmente, vamos considerar um caso em que a EDP não é linear nas derivadas. Por exemplo, a equação
(∂xv)2+(∂yv)2=v.
A estratégia de Lagrange-Charpit consiste em considerar essa equação como intersecção de superfícies em um espaço de dimensão mais alta. Introduzindo-se as novas variáveis p=∂xv e q=∂yv, nossa equação é equivalente às curvas de nível da função ϕ:R5→R
ϕ(x,y,v,p,q)=p2+q2−v=0.
A igualdade expressa por essa equação é válida para todos x,y do domínio de interesse. Portanto, temos duas novas condições
A solução que procuramos é a intersecção ϕ∩ϕ1∩ϕ2 dessas três hiper-superfícies de R, dando origem a uma subvariedade de dimensão 2, como já esperamos para as soluções da nossa equação. Levando-se em conta que ∂yp=∂xq, podemos rescrever ϕ1 e ϕ2 como