Últimos comentários sobre variáveis complexas

Superfícies de Riemann

Quero retomar aqui, com muito mais capricho, a discussão das últimas aulas sobre a superfície de Riemann associada a função f(z)=\sqrt{z} . Para não ser repetitivo, farei aqui o caso da função f(z)=\sqrt[3]{z} . Como vocês já sabem, para z=\rho e^{i\theta} , a função f(z)=\sqrt{z} é multivaluada e temos

\sqrt[3]{z} = \sqrt[3]{\rho} \exp i\left(\frac{\theta}{3} + \frac{2k\pi}{3} \right) , 

com k=0,1,2. Vamos considerar inicialmente o caso correspondente a k=0. Trata-se do mapa abaixo

com o ângulo polar definido como \theta \in [0,2\pi]. Como discutimos várias vezes, essa função, como definida, será sempre irremediavelmente descontinua, veja a vizinhança correspondente ao círculo de cores verde e magenta e suas respectivas imagens. Temos que pontos arbitrariamente próximos do domínio são mapeados em pontos distantes na imagem, não há como essa função ser contínua. Para efeitos práticos, nós vamos sempre lidar com essas descontinuidades, associadas aos “cortes” ou “ramificações” no domínio da função, nesse caso a semirreta \theta =0.

Há, porém, uma construção elegante que permite definir uma função f(z)=\sqrt[3]{z} contínua. Estas construções envolvem um alteração o domínio associado, que deixa de ser o plano complexo simples. A ideia é considerar os outros valores da raiz. Peguemos, por exemplo, o caso correspondente a k=1, que corresponde ao mapa abaixo

isto é, é o mesmo anterior, porém agora “girado” de \frac{2\pi}{3} (120 graus). Vejam que interessante, a vizinhança correspondente ao semicírculo magenta se encaixa perfeitamente na imagem do caso anterior. Quer dizer, se de alguma maneira identificarmos \theta = 2\pi do caso anterior com \theta = 0 deste caso, teremos uma função contínua para a vizinhança magenta! Esta identificação pode ser feita como mostrei na aula com nosso modelo de papel. “Cortamos” os dois planos em \theta = 0, e unimos o \theta = 2\pi do plano que está abaixo com o \theta = 0 do plano acima, como na figura abaixo:

Por certo, esta figura  e as que vão abaixo foram geradas em Python, os códigos fontes estão aqui. Sempre recomendo que instalem a distribuição Anaconda, ela tem tudo o que precisamos para computação científica.

Notem que a origem é comum aos dois planos. Se usarmos a raiz restante, k=2, cujo mapa associado é

podemos “completar” toda a imagem de maneira contínua. O domínio terá um aspecto semelhante a este

porém com um detalhe que não está representado nessa figura. O \theta = 2\pi do último plano, o azul, correspondendo a raiz k=2, deve ser identificado como o \theta = 0 do plano amarelo, que corresponde à raiz k=0. Obviamente, esta superfície terá autointersecção se representada em R^3, veja abaixo

De maneira muito interessante, se definirmos uma parametrização para esta superfície tal que 0\le \theta \le 6\pi, sendo 0\le \theta \le 2\pi o plano amarelo, 2\pi \le \theta \le 4\pi o vermelho, e 4\pi \le \theta \le 6\pi o azul, teremos que as três raízes serão descritas por uma única  expressão:

\sqrt[3]{z} = \sqrt[3]{\rho} \exp\left( i \frac{\theta}{3}  \right).

Finalizando este tópico de superfícies, vão abaixo duas imagens da “sela do macaco” comentada em aula, cuja expressão é

z =x^3 -3xy^2.

 

Séries de Taylor

Acho que vale a pena repetir os argumentos que mostram que toda função analítica tem série de Taylor. O ponto de partida é a Integral de Cauchy

f(z) = \frac{1}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{w-z} dw

e suas equivalentes para as derivadas de f(z)

\frac{d^n}{dz^n}f(z) = \frac{n!}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{(w-z)^{n+1}} dw

Vamos agora considerar um ponto z_0 dentro da região delimitada por \gamma e escrever

f(z) = \frac{1}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{w-z_0+z_0- z}  dw = \frac{1}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{1 - \frac{z- z_0}{w-z_0}}  \frac{dw}{w-z_0}

Agora, lembrando a identidade

  \frac{1}{1-s} = 1+s+s^2+\cdots +s^n + \frac{s^{n+1}}{1-s}

podemos escrever

f(z) =   \frac{1}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{w-z_0} {dw} + \frac{z-z_0}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{(w-z_0)^2} {dw} + \cdots + \frac{(z-z_0)^n}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{(w-z_0)^{n+1}} {dw} + \xi_n   

sendo

\xi_n  =  \frac{(z-z_0)^{n+1}}{2\pi i} \oint_\gamma \frac{f(w)}{(w-z_0)^{n+1}} \frac{dw}{w-z} 

Utilizando a fórmula de Cauchy e as expressão para as derivadas de f(z), temos finalmente

f(z) =   f(z_0)  (z-z_0) +  \frac{d}{dz}f(z_0) + \frac{(z-z_0)^2 }{2} \frac{d^2}{dz^2}f(z_0)  \cdots + \frac{(z-z_0)^n}{n!} \frac{d^n}{dz^n}f(z_0)  + \xi_n   

Notem que não há nenhuma aproximação aqui, tudo é válido para n. Porém, é possível mostrar (ver, por exemplo, a seção 58 do livro do Churchill) que

\lim_{n\to \infty} |\xi_n| =0,   

estabelecendo-se, desta forma, a existência da série de Taylor para uma f(z) analítica. Em breve nos depararemos com uma outra representação em série de funções que possuem polos: a série de Laurent.